Num daqueles vídeos que nos aparecem no Facebook e que às vezes,
por qualquer indução subliminar tecnológica ou simples tédio existencial, não
resistimos a espreitar, vi Helena Roseta servir-se vagamente da poesia num debate
político televisivo e um Marco António de barba aparada e gravata sem mácula rejeitar
essa via ingénua e inútil, subordinando-a naturalmente ao pragmatismo sério —
talvez adulto, para usar a terminologia
do FMI — e salvífico da economia.
Tzvetan Todorov é um búlgaro que foi estudar em Paris nos
anos do bloco comunista. Para passar nos testes que lhe davam acesso à cidade luz,
precisava de falar de literatura nos termos que a ideologia comunista impunha: era
preciso mostrar de que forma os escritos analisados ilustravam a boa ideologia
ou como falhavam em fazê-lo. Para não ter de entrar nesse exercício
simultaneamente estranho e constrangedor, Todorov, como tantos outros, escreveu
um trabalho que abordava a materialidade do texto e as suas formas
linguísticas. Seguiu, já se vê, a via do estruturalismo (aliás viçoso à época e
vicejante em todas as décadas seguintes), via que seria a sua na carreira
universitária que então iniciou em França.
Posteriormente, num livrinho intitulado «A literatura em
perigo» (2007), que por coincidência hoje dei por mim a ler, o mesmo Todorov
nota que o seu subterfúgio para não discutir a literatura nos termos do regime se
tornou afinal a norma no ensino francês (e europeu), que não tinha a mesma necessidade
de tergiversar. Todorov alerta para o absurdo que é ensinar e aprender literatura
em função da forma e das estruturas dos textos em vez de o fazer primariamente
a partir daquilo de que as obras falam, do seu sentido.
Marco António e um bom lote de políticos e economistas
europeus são uma espécie de semióticos da actual
ideologia dominante. Só podemos desejar que tenham depressa a sua epifania
todoroviana sobre o verdadeiro sentido da existência humana e da vida em
comunidade. Talvez isso não salve o euro, mas poupa-nos a um pretensiosismo
estéril e patético.
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