segunda-feira, 22 de junho de 2015

Uma epifania todoroviana para Marco António Costa

Num daqueles vídeos que nos aparecem no Facebook e que às vezes, por qualquer indução subliminar tecnológica ou simples tédio existencial, não resistimos a espreitar, vi Helena Roseta servir-se vagamente da poesia num debate político televisivo e um Marco António de barba aparada e gravata sem mácula rejeitar essa via ingénua e inútil, subordinando-a naturalmente ao pragmatismo sério — talvez adulto, para usar a terminologia do FMI — e salvífico da economia.

Tzvetan Todorov é um búlgaro que foi estudar em Paris nos anos do bloco comunista. Para passar nos testes que lhe davam acesso à cidade luz, precisava de falar de literatura nos termos que a ideologia comunista impunha: era preciso mostrar de que forma os escritos analisados ilustravam a boa ideologia ou como falhavam em fazê-lo. Para não ter de entrar nesse exercício simultaneamente estranho e constrangedor, Todorov, como tantos outros, escreveu um trabalho que abordava a materialidade do texto e as suas formas linguísticas. Seguiu, já se vê, a via do estruturalismo (aliás viçoso à época e vicejante em todas as décadas seguintes), via que seria a sua na carreira universitária que então iniciou em França.

Posteriormente, num livrinho intitulado «A literatura em perigo» (2007), que por coincidência hoje dei por mim a ler, o mesmo Todorov nota que o seu subterfúgio para não discutir a literatura nos termos do regime se tornou afinal a norma no ensino francês (e europeu), que não tinha a mesma necessidade de tergiversar. Todorov alerta para o absurdo que é ensinar e aprender literatura em função da forma e das estruturas dos textos em vez de o fazer primariamente a partir daquilo de que as obras falam, do seu sentido.

Marco António e um bom lote de políticos e economistas europeus são uma espécie de semióticos da actual ideologia dominante. Só podemos desejar que tenham depressa a sua epifania todoroviana sobre o verdadeiro sentido da existência humana e da vida em comunidade. Talvez isso não salve o euro, mas poupa-nos a um pretensiosismo estéril e patético.

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