Os meus domingos, sempre que possível dias de retiro, de devaneios
bucólicos, são frequentemente assolados pela perplexidade. Não é apenas o ciclo
da Natureza, o seu definhamento belo no Outono, ou o milagre biológico e estético
da renovação primaveril. Surpreendem-me sempre o amarelo e o lilás de hectares
de giestas e urzes floridas, e nunca fico imune a um bosque renovado de verde.
Mas a verdadeira perplexidade vem quando me encontro sozinho no meio de certa propriedade
onde a beleza outonal ou primaveril dos bosques ocorre como num privativo jardim
edénico. A verdadeira perplexidade e a verdadeira alegria.
Em tempos usada para lazer da classe alta, esta propriedade, privada
mas de (potencial) uso público, foi abandonada devido à mudança dos hábitos de
ócio, à substituição dos destinos turísticos. Na minha infância e adolescência,
o sítio era usado por alguns autóctones para piqueniques, para tardes de lazer.
Hoje, salvo raras e fugazes visitas de um ou outro nostálgico que vem num relance
conferir o estado das coisas, não se vê por ali vivalma, e eu e os meus livros agradecemos.
Faz-lhe uma tangente um rio, com a sua ponte românica e os seus moinhos
em ruínas, invadidos pela vegetação. Tem no perímetro e nas imediações pinhais e
carvalhais. Dentro de muros há uma grande variedade de árvores que para minha vergonha
não sei nomear. Tem diferentes zonas de sombra (densa ou apenas de sol coado) e
prados onde estender largamente o corpo ao sol. Tem memórias em velhas paredes
e telhados abaulados. Não tem gente. Porque, dir-se-ia, este género de
bucolismo já não faz a alegria das pessoas.
Enquanto eu por ali sonho com uma herança que me permita tomar posse daquele
território e proteger o paraíso, outros em gabinetes municipais sonham com
revitalizar a propriedade. Um dos poucos visitantes com quem me cruzo um dia,
informa-me que a Câmara local ficou com a concessão do sítio e pretende resgatá-lo
para uso turístico, construir um restaurante, coisas dessas. Como que a
adivinhar os meus pensamentos (os meus receios, o meu justificado preconceito
em relação aos poderes municipais), a pessoa informa-me também que o primeiro
passo daquela “revitalização”, segundo fonte oficiosa, poderá ser o abate de
pinheiros. Até já estarão marcados. Despeço-me com um nó na garganta a fingir
deambulação sem norte, mas com o pânico instalado de ver com os meus olhos as famigeradas
marcações. Não as vi, mas não fiquei descansado. A ideia, infelizmente, não é
absurda.
Obrigo-me agora portanto a adicionar ao meu sonho de herdeiro um que
prolongue a crise, que inclua o fim do QREN, o fim das ajudas comunitárias a
projectos de revitalização. Um sobre bancarrotas municipais que durem até uma geração
mais verde tomar o poder. (Sim, bem sei que faria melhor em apostar apenas na
quimérica herança ou no desconchavar europeu.)