Com o blogue praticamente parado desde Abril, sinto o peso da responsabilidade na hora de tentar escrever um novo post — e por isso adio sempre esse momento. É um pouco como a humanidade reage a cada novo relatório sobre as alterações climáticas: compreende a responsabilidade que tem em mãos — e adia a década de fazer alguma coisa quanto ao assunto.
O parágrafo anterior forneceu-me em todo o caso o ânimo para arrancar finalmente com um post — e o enquadramento para falar do que na verdade queria falar no post que venho adiando. Que é sobre um livro que à sua maneira (sendo um romance) faz alertas como os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), mas circunscrevendo-se à Europa e aos malefícios, não das inalações de tabaco, mas do turismo.
Grand Hotel Europa, do holandês residente em Itália Ilja Leonard Pfeijffer, é, como o próprio autor discretamente o apresenta num vídeo para os portugueses, um «grande romance sobre identidade europeia, nostalgia e turismo». Nas suas páginas lemos o que já sabíamos: que os europeus estão a esvaziar de habitantes e a destruir as suas cidades históricas, transformando-as em parques temáticos para turista, sobretudo chinês, ver. Contudo, ao contrário do que acontece com os relatórios do IPCC, não saímos deprimidos das páginas de Grand Hotel Europa, mas satisfeitos, divertidos — e, temo bem, cheios de vontade de nos juntarmos às hordas de vândalos que, visitando-o, destroem o velho e charmoso império europeu. Não houve um dia, nestes meses em que me tentei reconciliar com a vida recordando com prazer o livro, que não me dirigisse com nostalgia e bravura ao armário onde guardo os trolleys e as mochilas — infelizmente sem consequências, saindo dele a apertar de novo frouxamente o robe como uma personagem de Thomas Bernhard, sem que dessa visita ao centro doméstico de logística de viagem resultasse, enfim, um leve aumento da minha pegada ecológica e uns milímetros a mais no ritmo de submersão de Veneza.
No tempo que passou entretanto também queria falar de Grand Hotel Europa porque o narrador desse romance falhado como prevenção do turismo tem muita coisa em comum com o Lúcio do meu romance Os Idiotas: é sarcástico, cheio de si, auto-sabotador e romanticamente tonto como ele. Um é a decadência em pessoa, o outro esmera-se com extravagância no vestir (com alfinete na gravata que lhe circum-navega a barriga e tudo), mas há passagens inteiras de Grand Hotel Europa que poderiam ter sido escritas pelo mesmo tipo que escreveu Os Idiotas. E vice-versa. Com diferenças substanciais nos resultados financeiros, todavia.
Se ganhei uma grande simpatia pelo romance de Ilja Leonard Pfeijffer, ao ponto de vir aqui sugerir a sua leitura, não foi porque achasse que ele escreveu A Montanha Mágica do século XXI, mas porque senti, ainda assim, a alegria dupla de uma literatura contemporânea estimulante e divertida. E porque na altura em que o li também eu andava a escrever um romance com personagens tão conscientes do seu tempo (este) que queriam salvar coisas. No caso, o mundo. Salvar o Mundo. Nada mau como ambição, heim? Já tenho o título, só me falta publicar nos classificados o tradicional anúncio: «Cavalheiro bem-intencionado e sem preconceitos ou posses procura editor/a para relação temporária mas apaixonada de trabalho.»
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