A Eurosport e eu já estamos na fase de repetir jogos, pelo que chegou a altura de acabar com a Covid-19 ou, pronto, de adquirir direitos de retransmissão de outros torneios. Wimbledon, por exemplo, nunca aparece na grelha. Consequência do Brexit? Preconceito anti-vegan?
Seja como for, nesta altura já trocava uma partida do Grand Slam por um qualquer joguito não visto, nem que fosse do Estoril Open.
A fraca consolação de rever jogos reside no ensejo de repararmos (ainda mais) em aspectos não desportivos da modalidade, alguns bem intrigantes. O vestuário, por exemplo, é no ténis tema inesgotável. Podemos ter em relação a ele, particularmente o feminino — e consoante o espectro dos nossos interesses (ou o grau da nossa depravação) —, uma abordagem apenas curiosa, fashion geek ou voyeur. No limite da perversão, a julgar por algumas pesquisas no Google e tendências pornográficas dos anos 80, um jogo de ténis feminino pode corresponder, em termos de batimentos cardíacos do espectador, a um filme erótico.
Quando tentei perceber por que não é vulgar as tenistas usarem calções com bolsos — preocupado exclusivamente com aquilo que me parecia uma dificuldade: o armazenamento de bolas suplentes na hora do serviço —, deparei-me com explicações em várias línguas sobre a forma como os vestidos justos e as saias curtas permitem às mulheres manterem a sua feminilidade enquanto disputam torneios de milhões. A conquista suada de troféus e de cheques com muitos zeros parece, segundo algumas análises, coisa intrinsecamente vil e masculina, pelo que se uma senhora tem de condescender nesse desiderato deve, pelo menos, fingir que está na praia. Na praia dos glamorosos anos 50.
Não quero que este post pareça alinhar na sugestão de que são as mulheres, as mulheres tenistas, que mais se preocupam em erotizar a sua imagem enquanto dão pancadas na bola. Nem tenho, por outro lado, ao contrário de certas organizações e tradições do ténis, nenhum dress code ou moral a recomendar a ninguém (muito menos a pessoas que jamais lerão este blogue). Mas temo que a saia curta dominante, com folhos ou sem eles, seja um compromisso entre jogadoras, instituições e expectativas sociais, um compromisso para que, focando-se o mundo nas suas coxas, elas sejam deixadas em paz e concentradas apenas nos seus jogos. Porque sempre que alguma jogadora introduziu mudanças no outfit ou simplesmente tirou e voltou a vestir a sua t-shirt num canto do court (o que até mereceu aplauso entusiástico da, neste ponto igualitária, falange voyeur), levou, como há pouco Alize Cornet, com o dedo em riste da moral tenística.
Suspeito por isso que a tradição da minissaia no ténis, como a do decote nos trajes femininos dos séculos dezoito e dezanove, permite sobretudo aos cavalheiros fingirem-se — em simultâneo ou alternadamente, como convier — sensualistas e castos.
Considerando que a anatomia feminina não difere da masculina em tal grau que obrigue a formas diferentes de armazenar bolas suplementares, e considerando também que a não abolição do hábito de se guardarem bolas para o segundo serviço (quando os apanha-bolas se tornaram tão ágeis) não trai vício masculino, não seria expectável, dada a diversidade humana, ver-se mais marcas a desenhar calções femininos com bolsos — e homens a enfiarem bolas na lycra por baixo dos calções? Ou das minissaias?
Sem comentários:
Enviar um comentário