Ninguém verdadeiramente franco absolve Portugal e os
portugueses da soma de erros de gestão que nos expuseram ao pós crise de 2008.
Era voz comum do povo nas décadas de 80 e 90 do século XX que «ainda havemos de
amargar isto». «Isto», como todos o que não viveram em Marte nesse tempo se
lembram, eram os subsídios da CEE e as políticas com eles relacionadas.
Portugal não foi apenas desprevenido e crédulo — foi em parte mandrião e, fraco
elogio, bastamente chico-esperto.
Acontece que a União Europeia — e, por isso, os países que
determinaram, condicionaram ou avalizaram as políticas — , não ignorava o que
se passava e, pelo contrário, em muitos aspectos o estimulou ou mesmo concebeu.
Fazia parte do «acordo» europeu Portugal ser assim: pouco produtor e sobretudo
consumidor. Passivo.
Ora, as manigâncias que fizeram de 2008 uma data a reter nos
anais da História, e que na verdade tiveram pouco que ver com os tugas, levaram
a um rearranjo apressado da coisa europeia. De repente, o ecossistema já não
era estável e solidário ou subsidiário, cada parte dele tinha de se valer a si
mesma. Portugal fora portanto duplamente estúpido: pela maneira frequentemente estroina
como fez a vidinha e pela postura imprevidente que escolheu no seio do clube
europeu.
Dito isto, o actual jogo das sanções é tristemente
previsível. A União que deixou sair a Inglaterra por ser incapaz de se reformar
ou de se assumir, a mesma compungida União que no dia seguinte reuniu ressabiadamente
a seis, a União que desenhou programas de austeridade fracassados, anda agora a
ameaçar as suas partes fracas, como de resto tem feito desde 2008. Isso fá-la
sentir-se forte, rigorosa e eficaz. É um fetiche, claro. E qualquer um que tenha
visto «‘Allo, ‘Allo!» sabe como os teutónicos são fetichistas.
Também fetiche é, internamente, a prosa dos nossos jornais
de direita (quase todos, actualmente) e dos respectivos escribas. O Observador e João Miguel Tavares
precisam das ameaças de sanções para continuarem a parecer argutos e responsáveis.
Cada adiamento é uma bolsa de oxigénio. Porque para o Observador e JMT mais importante do que o país, a sobrevivência do
país na sequência deste rol de culpas internas e externas, é terem razão —
terem razão à direita, que quase sempre significa ter razão contra os mais
fracos. Todos sabem que a aplicação ou não aplicação de sanções tem mais que
ver com os apetites e os ânimos em Bruxelas ou em Berlim do que com qualquer
racionalidade intrínseca da coisa europeia, mas Tavares & Companhia
insistirão, teimosamente — porque, uma vez vestida a fardamenta da moralidade unívoca,
os tecidos agarram-se à pele.
Não há que os defenestrar, estes nossos Vasconcelos, tanto
porque a espaços é preciso ouvi-los (conceda-se-lhes isso) como porque não se
prevê que cair de costas no lajedo os ajude no desfardamento. Só caindo-lhes o
lajedo em cima.
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