terça-feira, 22 de setembro de 2020

Revisitando o passado, com ou sem aliens

Como parte do meu sólido compromisso com a procrastinação e a frivolidade, estive esta noite a ver a comédia The World’s End. O gatilho e cerne da história é simples: Gary King, um alcoólico de 40 anos que não saiu da adolescência, retoma o contacto com os seus quatro antigos amigos e desafia-os para, décadas depois, completarem a «Golden Mile», uma espécie de «rally das tascas» que faz um percurso por 12 pubs da sua cidade natal e pretende terminar, adequadamente, com uma última cerveja no The World’s End.

O que parecia para o meu incorrigível optimismo uma história de reencontros e revisitação do passado sofre a determinada altura um twist e transforma-se numa comédia de aliens, sem contudo perder a energia central: a obsessão de Gary por completar a Golden Mile. Quando poderíamos achar que as dificuldades do percurso seriam as objecções ou a menor resistência ao álcool dos amigos agora «crescidos» de Gary, eis que toda uma comunidade local já por natureza crítica de tal demanda estroina se revela possuída por seres extraterrestres com a pretensão de civilizar e higienizar a vida na Terra.

No final do filme, como tantas vezes me acontece, pus-me a pensar, não no tempo que perdi a ver aquilo, mas nas oportunidades que o filme perdeu. E talvez não tenha perdido nenhumas, mas eu teria optado, para atenuar o sentimento de culpa de o ter visto e quiçá errando clamorosamente, por um novo twist no final que devolvesse o filme à Terra, mostrando que o pandemónio alienígena tinha sido apenas a forma como a mente ébria de Gary interpretara as dificuldades e os obstáculos com que o seu projecto se tinha deparado. (Quem nunca se embriagou ao ponto de sonhar com extraterrestres puritanos não sabe do que falo. Bem, eu próprio não tenho essa experiência, mas imagino-a facilmente verosímil num epílogo cinematográfico.)
No fundo, para defender perante mim mesmo uma reputação de espectador que nunca tive, desejei que o filme tivesse tomado ares de uma comédia «séria», algo entre Os Amigos de Alex e Os Velhos Diabos. O primeiro título é para muitos o arquétipo em cinema desta ideia literária do confronto com o passado (outros preferirão, naturalmente, o não menos etílico Brideshead Revisited). O segundo título é um livro de Kingsley Amis, pai de Martin Amis.

De repente, todas estas referências e mais algumas explodiram-me na cabeça, numa teia de ligações mais emaranhada do que renda do Minho.

Quando há dez anos escrevi o meu segundo romance (Aranda, assente, precisamente, na ideia assaz original de revisitação do passado a partir do convite que um tipo embriagado faz a um grupo de amigos e amigas da adolescência), alguém me lembrou, justamente, Os Amigos de Alex, que eu, sem ter visto, confundia sobretudo com o programa da Renascença FM. Ora, acontece que tinha escrito o livro aproveitando um estado mental que me fora fornecido por A Viúva Grávida, obra passada em 1970 e vagamente autobiográfica de Martin Amis, anos antes de ler Os Velhos Diabos, onde o pai de Martin, ele mesmo o bebedor que se sabe, encena a sua própria tragicomédia de adultos a revisitarem entre copos a juventude perdida (com mais êxito do que eu: ganhou o Booker).

Talvez para aliviar definitivamente a minha consciência e acrescentar ligações maradas a tudo isto, fiquei a saber, depois de consultar a Wikipedia, que o filme Os Amigos de Alex foi escrito por Lawrence Kasdan, que, surpresa, foi também, não sei se alcoólico, mas co-autor de vários dos episódios antigos e recentes da saga Star Wars. Não há, afinal, nada de estranho ou menos válido no facto de The World’s End ter resolvido ser também um filme de aliens: aparentemente os dois géneros podem conviver com sucesso na cabeça de um mesmo autor.

Neste estado de espírito, fui revisitar o meu (e)ternamente inédito Aranda e perguntei-me se conseguiria alguma vantagem editorial (ou, quem sabe, perante a indústria cinematográfica) enfiando-lhe no elenco um par de aliens. O que acham?

1 comentário:

  1. Every paycheck is a fortune, every meal a baquent, every formation a parade...welcome to the CORPS! Quem viu aliens, jamais esquece esta "quote"!

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