terça-feira, 1 de dezembro de 2020

O caso do Wallace desaparecido

Li ontem com gosto Um crime da Solidão — Sobre o Suicídio, de Andrew Solomon, mas cheguei ao fim com uma vaga sensação de ter sido enganado, sem ter logo percebido porquê. Ao revisitar a contracapa antes de pousar o livro tive a resposta.

Já tinha lido vários elogios ao autor mas nunca tinha lido nada dele. Há dias encontrei esta obra por acaso na livraria e pensei «é agora». Reforçou o impulso a informação de que o volume reúne «uma série de textos sobre o suicídio, analisado sempre a partir de uma história pessoal ou de um caso concreto: quer do círculo mais íntimo do autor (...); quer de figuras públicas (…), ou até os de celebridades literárias, como David Foster Wallace ou Sylvia Plath.

Ora, a referência ao caso de Wallace (cujas obras aprecio e por cuja biografia tenho curiosidade) é de facto apenas isso, uma referência. Na página 107, lá está, sem dúvida: «A imagem do suicida literário, do escritor cuja servidão ao ofício pode ser consequência ou causa de mais terrível depressão é recorrente; David Foster Wallace é o último elo dessa triste corrente.» E pronto, termina aqui a participação do autor de A Piada Infinita. Mero figurante.

A obra é pequena, não se estaria à espera de ensaios profundos sobre cada um dos casos referidos, mas, bolas, por que trazer o nome deste escritor para a sinopse se o caso dele nem sequer é analisado? Vício de name-dropping? Para compor o ramalhete? Piscadela de olho a leitores como eu?

De resto, o livro é interessante por si, dispensa o alardear forçado de casos famosos. Contudo, e isto já não será culpa da editora, eu apresentá-lo-ia não como um livro «sobre o suicídio» mas como um livro «sobre o suicídio na sua relação com a depressão». Que é o tema em que Solomon é especialista e a que se dedica sobretudo o último texto desta recolha, o maior.



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