sexta-feira, 31 de agosto de 2018

No gueto de Varsóvia


1. Um grupo com umas três dezenas de rapazes e raparigas, morenos na sua maioria, participa de uma cerimónia no monumento que homenageia a revolta do gueto de Varsóvia. A certa distância, estrategicamente colocados nas quatro esquinas de um rectângulo imaginário, quatro jovens adultos, igualmente morenos, parecem apreciar o cerimonial, mas percebe-se pelos movimentos de cabeça, pelos auriculares discretos e pelo volume suspeito ao fundo das costas, sob a fralda da camisa, que montam guarda. Armada.
Não há polícia polaca (ou loura) nas redondezas.

2. No museu contíguo, cuja arquitectura do hall pretende evocar a separação das águas do Mar Vermelho para a passagem franca dos judeus perseguidos, os seguranças, mulheres e homens, são também morenos. E ríspidos, rudes, autoritários. Deslocados, pensa-se. O bilheteiro, não divergindo do aspecto judaico mas menos anguloso e mais bonacheirão e, ao contrário dos colegas na entrada, simpático e afável, pede desculpa por o preço dos bilhetes não estar visível e pede desculpa pela rudeza e antipatia da segurança. Sugere que se escreva à direcção do Museu. Sugere sempre, as queixas são habituais. Ele próprio tem dito aos chefes que essas coisas são pouco agradáveis.
Ficamos sem saber se ele é o judeu bom no sketch do polícia mau e do polícia bom ou se concorda genuinamente que é um pouco perturbante (ou pelo menos irónico, de uma ironia sem riso) que naquele museu se escondam os preços dos bilhetes e se recebam com autoritarismo rude os visitantes.
Em todo o caso, apropriamo-nos da sugestão da separação das águas e decidimo-nos pela visita.

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