sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O meu livro menos meu

Consultando arquivos para tentar anotar meia dúzia de ideias para a apresentação vila-realense do Hotel do Norte, descubro, com embaraço, que, desde 2014, ameacei com alguma regularidade editar o livro por mim mesmo. Era decerto a ânsia juvenil (retardada) de me ver publicado, a vaidadezinha pateta a exigir um tributo em letra de imprensa. Pelos vistos, a edição de Os Idiotas no ano anterior não me tinha satisfeito completamente o ego.

Na verdade, a auto-ironia anterior, ainda que justa, não expia totalmente aquela espécie de bluff. O Hotel do Norte era uma coisa que trazia atravessada na garganta. Quando o escrevi, em 2009, estava decidido a purgar-me do que tinha sido a minha escrita na Periférica. Mais precisamente, estava a tentar dar uma outra respeitabilidade a prosa. Por alguma razão, não me convencia ou confortava o (relativo) reconhecimento que os textos na revista, satíricos e geralmente pueris, tinham alcançado.

Ao longo dos anos, o Hotel do Norte tornou-se por sua vez a minha némesis. Já tinha entretanto escrito e publicado Os Idiotas (o livro em que me reconciliei com a prosa periférica), mas a sombra do Hotel do Norte pairava sobre tudo. Os amigos que leram ambos os livros mal disfarçavam a sua preferência pelo Hotel do Norte. O Rentes de Carvalho, que nesta livraria apresentou em 2013 Os Idiotas, fê-lo apenas como pretexto descarado para dizer que, na verdade, mais valia que se lesse o Hotel do Norte.

De modo que, de 2014 em diante, precisava de me livrar do fantasma do Hotel do Norte. Eu não estava convencido do interesse deste livro. De vez em quando, nos momentos de maior presunção, alimentado por um ou outro comentário positivo, sim, sentia certo regozijo por o ter escrito, mas logo descia sobre mim a verdade nua e crua de que o romance era medíocre, ou pelo menos ingénuo e com um estilo que era menos meu do que o que estava presente nos outros livros que escrevera.

Em 2015 escrevi e publiquei a novela A Origem do Ódio, com uma construção, uma fluência, um ritmo prosódico, um léxico, uma sintaxe e um território semântico que achava mais meus. Mas, de novo, frequentemente a novela tornava-se sobretudo pretexto para evocar o Hotel do Norte.

Eu tinha mesmo de me livrar dele, para deixar viver os outros livros e me lançar a escrever os próximos.

Por isso, foi com um certo alívio que acordei com a Companhia das Ilhas a edição do Hotel do Norte em 2017. E finalmente aí está ele, «um dos romances do ano», considerou simpática e exageradamente um jornalista — talvez na verdade apenas para me manter sob o embaraço do meu livro menos meu.

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