segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Desvio de direita

Se vivêssemos num regime comunista, eu, que até aplaudo o novo imposto da gerigonça, seria irremediavelmente acusado de “desvio de direita”, e não apenas na forma tentada. A somar ao vital impulso que me afasta das multidões e não raro atira comigo para remotas paragens do Portugal profundo — onde, no leito seco de ribeiros ignotos, armo a cadeira de praia verde-fluorescente comprada nos chineses (nisso sou ortodoxo) e abro um livro pouco do agrado das massas — tenho também a desfaçatez de, em alternância, me instalar em esplanadas de velhos hotéis aristocratas (onde não armo a cadeira verde, tanto porque não preciso como porque não tenho coragem) a bebericar copos de vinho 4 ou 5 euros acima das minhas possibilidades. Individualista e ocasional burguês, eis o libelo fácil que contra mim se poderia levantar.

E contudo não é um fetiche de proprietário rural pré-25 de Abril que me leva para o campo (e, com deprimente infrequência, para um qualquer monte alentejano) nem um voyeurismo de leitor da Caras ou Hola! que me senta em esplanadas cinco estrelas. É o silêncio. O relativo silêncio da Natureza ou dos sítios caros. A Natureza, ao contrário do homem, não precisa de banda sonora permanente, ou se precisa tem o bom gosto de preferir o gorjeio afinado e harmónico dos pássaros. Os sítios caros, se antigos, têm o volume baixo e aquela discrição tradicional do dinheiro velho (ou a discrição táctica do dinheiro com consciência pesada), em tudo contrária à algaraviada novo-rica e estroina da classe média.

Estou ideologicamente comprometido com a humanidade, não duvidem, mas não ao ponto de querer partilhar transmissões desportivas ou decibéis musicais. Em qualquer eleição votarei de acordo com o bem comum — mas na hora de escolher o bar serei elitista. Pela mesma razão que prefiro a desolada e exaurida Ribeira de Angueira a qualquer higienizada e fresca piscina municipal: na primeira não posso nadar, mas na segunda não posso ler. Em paz.

Não é só a História que me afasta do comunismo: é a mania que as comunidades, mesmo as não comunistas, têm de fazer de todo o espaço público uma permanente e ruidosa Festa do Avante.

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