segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Asco

Há muito tempo que não visitava o Blasfémias. Há dias caí nisto:


Achei que, mesmo para alguém com o historial deste Vítor Cunha, era um pouco patético um tipo deixar-se chegar a este ponto de irritação, desespero ideológico e niilismo argumentativo.

Hoje saiu-me este outro post na rifa


digno de um verme que já não disfarça a sua condição. Fui espreitar o tom geral do blogue. Um pouco mais de verniz, mas não muito.

As cretinices do Blasfémias, mesmo nesta fase de puro fel, estribeiras perdidas e alma penada à vista, ficam com quem as escreve. Tenho é pena de amigos que ainda consideram inteligente ou decente contemporizar com a "direita" de Helena Matos, José Manuel Fernandes & abjecta Companhia. Muita pena, mesmo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A Gradiva e o Saraiva

Segundo a TSF, Rodolfo Begonha, director-adjunto da Gradiva, afirma a propósito do livro do arquitecto Saraiva «que existem fronteiras à invasão de privacidade mas não cabe à Gradiva defini-las». «Não somos censura», terá dito. Ora, esta afirmação só faz sentido se a editora tiver um contrato com o autor que lhe assegure a publicação dos livros que ele se lembre de escrever. Caso não exista esse contrato, a publicação do livro é de facto também uma escolha da editora, não adianta tentar sacudir a água do capote.
A mera lógica do argumento «não somos censura» para explicar a impotência da editora perante o objecto saraivesco implicaria que a Gradiva teria também de não censurar, e consequentemente publicar, as centenas de livros que decerto autores mais ou menos dotados lhe fazem chegar todos os anos. Se os não publica é porque aplica aquilo a que se chama «critérios editoriais», sejam eles financeiros ou literários.
Não havendo contrato, e tendo em conta que não foram considerados quaisquer critérios editoriais no caso em apreço, restam duas hipóteses: a Gradiva ter José António Saraiva no alto gabarito de autor a quem não se recusa uma obra ou ter feito umas contas a quanto podia arrecadar com tão vil publicação. Das duas hipóteses, a última é apesar de tudo a menos danosa para a reputação da editora.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Desvio de direita

Se vivêssemos num regime comunista, eu, que até aplaudo o novo imposto da gerigonça, seria irremediavelmente acusado de “desvio de direita”, e não apenas na forma tentada. A somar ao vital impulso que me afasta das multidões e não raro atira comigo para remotas paragens do Portugal profundo — onde, no leito seco de ribeiros ignotos, armo a cadeira de praia verde-fluorescente comprada nos chineses (nisso sou ortodoxo) e abro um livro pouco do agrado das massas — tenho também a desfaçatez de, em alternância, me instalar em esplanadas de velhos hotéis aristocratas (onde não armo a cadeira verde, tanto porque não preciso como porque não tenho coragem) a bebericar copos de vinho 4 ou 5 euros acima das minhas possibilidades. Individualista e ocasional burguês, eis o libelo fácil que contra mim se poderia levantar.

E contudo não é um fetiche de proprietário rural pré-25 de Abril que me leva para o campo (e, com deprimente infrequência, para um qualquer monte alentejano) nem um voyeurismo de leitor da Caras ou Hola! que me senta em esplanadas cinco estrelas. É o silêncio. O relativo silêncio da Natureza ou dos sítios caros. A Natureza, ao contrário do homem, não precisa de banda sonora permanente, ou se precisa tem o bom gosto de preferir o gorjeio afinado e harmónico dos pássaros. Os sítios caros, se antigos, têm o volume baixo e aquela discrição tradicional do dinheiro velho (ou a discrição táctica do dinheiro com consciência pesada), em tudo contrária à algaraviada novo-rica e estroina da classe média.

Estou ideologicamente comprometido com a humanidade, não duvidem, mas não ao ponto de querer partilhar transmissões desportivas ou decibéis musicais. Em qualquer eleição votarei de acordo com o bem comum — mas na hora de escolher o bar serei elitista. Pela mesma razão que prefiro a desolada e exaurida Ribeira de Angueira a qualquer higienizada e fresca piscina municipal: na primeira não posso nadar, mas na segunda não posso ler. Em paz.

Não é só a História que me afasta do comunismo: é a mania que as comunidades, mesmo as não comunistas, têm de fazer de todo o espaço público uma permanente e ruidosa Festa do Avante.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

«Mil livros para aquecer os invernos em Pitões das Júnias»

Li este título do Público e achei pouco. Mil livros ardem rápido. Mesmo numa aldeia de 150 habitantes, dificilmente chegarão para um único Inverno.

Ah, esperem, o título tem um sentido figurado. Já percebi, trata-se de uma iniciativa para a promoção da leitura.

Há uns anos, eu próprio tive o gesto romântico de doar uma biblioteca de 500 livros a uma aldeia. A diferença é que naquela época o Público tinha um suplemento literário ao fim-de-semana e falava com frequência de livros na edição diária. Hoje condescende em ter uma ou outra página sobre livros num magro suplemento cultural dominado sobretudo pela música. (A música é, para as últimas gerações de portugueses, mais ou menos intelectualizadas, o que mais conta como cultura, e nem sequer toda a música.)

É bom que se disponibilizem livros. O que a biblioteca itinerante da Gulbenkian fez pelo desenvolvimento intelectual deste país é impagável. Mas ter livros à mão num ambiente social francamente hostil à leitura pode ser, e infelizmente é demasiadas vezes, pouco mais do que uma inutilidade. Sobretudo quando a hostilidade é velada ou camuflada, não desafia, nem chega a ser hostilidade, mas desprezo, silêncio na melhor das hipóteses, indiferença, geralmente mofa, escárnio, por vezes advertência sincera contra os malefícios da actividade anti-social ou anti-moderna que ler é.

O Público dá esta notícia pelo pitoresco, o quixotesco, não por um real interesse no efeito que mil livros à solta em Pitões das Júnias possam ter. O Público tem suficiente cinismo para saber que nove ou dez metros de estantes caídas do céu pouco valem contra um país cujos media e instituições há muito deixaram de se interessar verdadeiramente pela leitura. Não é impossível que, em Pitões das Júnias ou na Baixa da Banheira, surjam leitores empenhados só porque alguém lhes deixou livros por perto. Essa hipótese basta para que continuemos a simpatizar com iniciativas como a noticiada pelo Público. Mas não ignoraremos que essas pessoas se tornarão leitoras por uma qualquer tendência ou vocação pessoal — e apesar do país em que vivem.