Na altura, entre a província e a capital havia um gap um pouco maior do que aquele para que avisa intemporalmente a
voz do Metro de Londres. A admiração que a província tinha pela coreógrafa Olga
Roriz, por exemplo, era reflexa. Obediente aos media — no tempo em que os media
gastavam tempo com artistas como a Olga Roriz —, a província remetera-a para a
galeria dos notáveis da nação e tinha-lhe a vaga estima que se dedicava a influentes
estadistas estrangeiros, vivos e mortos, ou mesmo a um ou outro mais distante político
da pátria.
Um dia a coreógrafa trouxe a companhia à província e a província
acorreu engalanada ao recinto. Era a Olga Roriz! Ali chegada, a província não
conseguiu mais do que deixar cair desajeitadamente os queixos. Foi como se
alguém revelasse que afinal a Torre de Belém não era maior do que uma torre de xadrez.
Ou antes, como se fosse anunciado que o Tejo não era um rio, mas um laguito de
águas paradas e rasas. A província embasbacou. O que era aquilo? Que farsa era
aquela? Quem tinha mentido à província?
O problema era que a companhia de dança de Olga Roriz não dançava, não
nos termos em que a província se tinha habituado a imaginar a dança. Pensava-se
no folclore, no ballet ou no Fame e
nada daquilo encaixava, não sem grandes esforços da imaginação.
(O mito Pina Bausch durou porque a alemã teve o bom senso de não sair
de Lisboa sempre que veio a Portugal. E de morrer entretanto.)
Mas felizmente o desacerto entre a província e a capital foi já
bastante ultrapassado. Tirando uma ou outra distracção do jornal de Belmiro, os
media passaram basicamente a ignorar tanto
Roriz como Bausch e, muito adequadamente, inauguraram-se feiras e piqueniques
na Praça do Comércio. Suponho que a província esteja assaz satisfeita com a
aproximação que a capital lhe fez. Mas o melhor é que hoje já ninguém é
enganado, já não se fazem notáveis que não sejam transparentes à mais desarmada
vista e apresentáveis em qualquer romaria, de Unhais da Serra à TVI.
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