A meio dos anos 90, Pedro Abrunhosa tinha uma canção cujo estribilho, por censura institucional ou dos media, por autocontenção ou puro marketing, ele deixava que fosse o público a cantar ou (acredito que por irrisão) sobrepunha-lhe uma nota estridente de saxofone. O estribilho dava aliás título à música, e era geralmente, se bem lembro, grafado apenas como “Talvez F”, deixando a imaginação do leitor completar o verbo.
O mais recente vídeo dos Mundo Cão, para o seu excelente tema “Anos de
Bailado e Natação”, escolheu um processo inverso para disfarçar o mesmo verbo
daninho. Na hora de se dizer que «o bandido solitário só faz folga para foder»
a realização optou por mudar a cena para a entrada da tasca, onde música &
letra ainda só se ouvem ao longe e baixinho. Em vez da estridência de um sax, a
interposição de umas paredes. Diferentes técnicas para a mesma cautela.
Já o protagonista de Os Idiotas
(«É
admirável a amplitude gramatical do verbo foder»)
não teve pelo autor qualquer consideração. O número de ocorrências de termos e
verbos que no livro precisava de um instrumento agudo de sopro ou de umas
barreiras sonoras é suficiente para que a família perca o que lhe resta de
respeito por mim.
Ou talvez não, se nos lembrarmos que um dos grandes vultos da língua
portuguesa é também um grande malcriado e não consta que a família o tenha deserdado.
Confio, como Miguel Esteves Cardoso, que o amor (familiar) é fodido, mas não nos
abandona.
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