terça-feira, 12 de março de 2013

Janela indiscreta

Tenho uma tendência para humanizar coisas e bichos. Até pessoas, por vezes.
Hoje pousou-me uma pomba no peitoril da janela e, como eu tinha acabado de sair do duche, suspeitei que o fez intencionalmente. Imaginei-a, lubrica, a espreitar-me enquanto me vestia. Ao dar com ela, encolhi a barriga e tentei mexer-me pouco — mas ela resistiu, não se mandou contra o vidro na ânsia de entrar. Também não se mandou abaixo do parapeito, o que me confortou o ego, antes um pouco melindrado com a sua resistência.
De seguida estiquei-me cuidadosamente para apanhar o cinto e ela abriu as asas e lançou-se atabalhoadamente nos céus. Ainda considerei aquilo muito humano, mas de uma humanidade diferente: de criança antiga, traumatizada com sovas paternas pré-revolução. Ou de jovem mulher que não lê As 50 Sombras de Gray e desdenha por isso os prazeres sado-masoch.
Devia ter considerado não usar cinto hoje.

1 comentário: