quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Manifestações

Para alguns comentadores, as greves e as manifestações são apenas folclore e uma maçada. Desvalorizam-nas, negam-lhes pertinência e genuinidade. Recusam aceitar que elas representem comunidade alguma. Defendem que nelas só participam grupos ociosos e/ou radicais, grunhos engajados com o PCP e o BE. Gente à procura de sarilhos e indiferente aos transtornos e aos prejuízos que causam. Os mais extremistas dos comentadores, se pudessem, claro, proibiam as manifestações.

Muitos destes críticos já estavam no activo em 2003, quando por toda a Europa as pessoas se manifestavam contra a guerra no Iraque. Então como agora, vituperavam ou despejavam sarcasmo nas manifestações e nos manifestantes. O argumentário usado não diferia muito do de hoje. Soletrava da mesma cartilha.

Como a História o comprovou, os manifestantes estavam então certos e os comentadores redondamente enganados. Muitos deles não passavam de rapazes iludidos com um ideário, prontos para acreditar em qualquer patranha envernizada da forma certa. As equipas de Bush e Blair confiaram nisso, conheciam o género.
A partir de uma mentira aceite com uma candidez e um voluntarismo surpreendentes, a guerra fez-se, e o prejuízo para o mundo foi tremendo, as ondas de choque ainda hoje se sentem. No entanto, esta rapaziada crítica de manifestações nunca deu o braço a torcer. O problema foi a mentira dos outros, não a sua credulidade pateta. Não ruborizaram quando caiu a máscara. Não sentem remorsos agora.

Contudo, o embaraço de 2003 devia inibir um pouco a seita, fazê-la pensar duas vezes sempre que dispara contra as manifestações. É bem verdade que existem manifestantes profissionais e gente à procura de sarilhos. Não se pode negar que muitos dos que engrossam as filas não têm nenhuma ideia do que estão a defender ou a atacar, muito menos têm qualquer contributo fundamentado para o debate. Mas, porra, quem são estes comentadores cadastrados para, por assim dizer, atirar a primeira pedra da calçada?

Não digo que as receitas da troika incluam mentiras conscientes sobre algo equivalente a armas de destruição massiva. (Também não digo o contrário.) Não digo que todos os manifestantes sejam de uma lisura inatacável. Mas não se deve ignorar que, ao contrário da «maioria silenciosa» supostamente prejudicada na sua inocência com as greves e as manifestações, muitos dos manifestantes, os mais assíduos, são pessoas que não votaram nos governos PS e PSD — o que talvez os alivie um pouco da culpa de termos vivido os últimos tempos acima das nossas posses. E, voltando a 2003, é bom lembrar que a intuição que leva um número crescente de pessoas a manifestar-se nem sempre deve ser menosprezada. Nunca se sabe se não está certa. 

4 comentários:

  1. "(...)É bem verdade que existem manifestantes profissionais e gente à procura de sarilhos. Não se pode negar que muitos dos que engrossam as filas não têm nenhuma ideia do que estão a defender ou a atacar, muito menos têm qualquer contributo fundamentado para o debate. (...)"

    Voilá.

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  2. Que parte do meu texto não percebeu, Margarida? Precisa de um desenhito?

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  3. Percebi tudinho, mas como aprecio arte em geral, se entender, faça o obséquio.
    :)

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