sábado, 26 de novembro de 2011

O funcionamento do mundo

O indivíduo espreita os seus e-mails e, sabe o diabo porquê, detém-se num que alerta para determinado perigo, certo esquema criminoso ameaçador para a bolsa privada e a saúde pública. Por vezes o filtro deixa escapar algumas destas mensagens. E outras que prometem aumentar o pénis ou depilar sem dor. (Depois do susto, percebe-se que pénis e depilar são felizmente palavras sem um radical comum.) Resolvido a perder tempo, o indivíduo abre o e-mail em análise. A coisa, tantas vezes reencaminhada, tem múltiplos pontos de exclamação e um rasto que remonta a 2009. Neste momento o indivíduo fica fascinado e parte para o Google em safari. Antes de chegar à região dos Grandes Lagos, descobre um blogue que postou o mesmo alerta e foi alvo de uma centena e meia de comentários. As reacções são de susto e indignação. O texto interessa às pessoas, preocupa-as, assusta-as, como era seu objectivo. Elas têm opiniões sobre o assunto, teorias, denunciam possíveis conspirações. Não tarda Deus é invocado, os astros, o próprio demónio. A discussão na caixa de comentários divide-se em duas abordagens: a conspirativa e a esotérica. (Alguns intervenientes jogam nos dois tabuleiros.) Os insultos entre facções afloram. Lá para o trigésimo quinto comentário, um dia depois da postagem, uma alma intervém pela primeira vez e comunica que recebeu o e-mail, notou que havia nele um nome, uma instituição e um número de telefone que pretendiam credibilizá-lo. Ocorreu-lhe que ligar para aquele número poderia evitar alguns equívocos. Fê-lo. A pessoa e a instituição existiam, mas jamais tinham emitido tal alerta, aquilo era uma fraude, já a conheciam mas nada tinham podido fazer.
A caixa de comentários do blogue fica por instantes perplexa, nota-se uma pausa na cadência das intervenções. Depois os seus habitantes retomam a actividade normal, os místicos insistem na influência das forças ocultas e os crentes em conspirações aludem ao governo e a certas corporações. Nenhum se deixou perturbar pelo instante de sensatez que acometeu o funcionamento do mundo.

Por volta do centésimo comentário, o observador retira-se, confiante. O debate não voltara a distrair-se das questões essenciais e os insultos continuavam em crescendo. Dois anos depois ainda havia gente a reencaminhar a boa nova.

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