sexta-feira, 7 de outubro de 2011

National Geographic

Nalgumas terras de Portugal é costume colocar-se garrafões de água junto às portas das casas porque, crê-se, isso demove os cães de ali urinar. Contudo, não parece que tal artifício seja um inibidor eficaz para outro animal que tem por hábito mijar as portas das casas: o adolescente noctívago.
Certos bairros das cidades são, à noite, uma espécie de reserva de vida selvagem. Locais onde depois do crepúsculo se suspende a civilização, se quebra o fraco verniz que à luz do sol faz com que todos, até estes jovens, pareçam polidos. O adolescente durante o dia reconhece e sabe a que se destina a cerâmica lacada com que se mobilam as casas de banho. O mesmo lhe acontece quando iluminado pelas lâmpadas de halogéneo ou fluorescentes da sua própria casa. Mas, lançado na penumbra das ruas, o seu lado selvagem vem ao de cima, sente o apelo da natureza com uma urgência inelutável, mormente se o apelo vem das entranhas. É como se nele a bexiga se localize junto ao cérebro e, quando inchada, comprima os lóbulos ou os segmentos de massa encefálica responsáveis pela inteligência, já de si um pouco espalmados.
O adolescente é mais ávido do que um cão a marcar território, mas igualmente fascinado pelo cheiro dos seus semelhantes. Suscitado pela necessidade de se aliviar, tenderá a escolher o local inapropriado onde outros tenham feito o mesmo. Enquanto verte o seu fluído sobre o dos seus antecessores, dilatam-se-lhe as narinas num exercício de taxonomia química ou numa fruição hedonista (ainda não há uma ciência exacta sobre isto).
Porém, verifica-se um desacerto entre estes adolescentes ou jovens* e outros seres, que compartilham com eles o espaço, mas não o tempo. Quando a madrugada surge e os últimos espécimes nocturnos se recolhem à cama como vampiros exauridos ao caixão, há um ritual que se repete: baldes de água são lançados sobre as soleiras, mangueiras são apontadas às lajes dos alpendres, impropérios são dirigidos aos céus. O raiar do dia é a charneira entre estes dois mundos que convivem menos bem do que o carácter quotidiano dos rituais diria. É certo que os noctâmbulos mal dão pela existência dos seus simétricos diurnos: quando os não ignoram, desconsideram-nos, não imaginam que importância lhes hão-de dar. Mas os habitantes da parte solar sentem demasiado intensamente a existência dos outros, identificam melhor do que gostariam o seu rasto de amoníaco, vítimas que são de órgãos olfactivos excessivamente sensíveis.
A convivência pacífica é assim uma aparência, a letargia de um vulcão. Enquanto usam sonambulamente a esfregona, os que se levantam quando o Sol nasce amaldiçoam os deuses por terem dotado os adolescentes de tão fraco discernimento e tão possante jorro. No seu desespero, pedem aos céus a vingança de um mal de próstata ou o favor dos ventos: que o arco dos cretinos lhes não poupe os pés. Enquanto não são agraciados, sonham por exemplo com instalar sistemas de electrochoques accionados por jacto fisiológico. Infelizmente, não contribuem para a alegria do mundo — não concretizam a instalação.

* O comportamento também é verificável em espécimes adultos menos desenvolvidos.