terça-feira, 18 de outubro de 2011

Boas intenções e desastres conexos

Se aplicadas em laboratório, nenhuma das ideias da Secretaria de Estado da Cultura seria absurda, e nesse mesmo ambiente as suas seriam as melhores intenções. Não temos como não concordar com a disciplina na utilização dos apoios públicos, com a necessidade de aumento de receitas e, em abstracto, com a valorização das bilheteiras como instrumento de avaliação de resultados. Acontece que Portugal não vive numa redoma asséptica, num clima ideal, pelo que algumas das melhores intenções conduzirão a pequenos desastres.

O que acontecerá quando as medidas para o aumento da receita a fizerem diminuir? Que resultado terá o IVA a 23% na «valorização» das bilheteiras? Se não acreditássemos nas boas intenções da SEC, diríamos que ela tem um plano pérfido. Apresenta os requisitos para a viabilidade das instituições — e simultaneamente cria as condições para que eles não sejam cumpridos.

De resto, a SEC é a primeira a contribuir para a desvalorização das bilheteiras, com aquela sua forma de falar das coisas pela negativa. Para a SEC a cultura não é um bem, um direito, um benefício, um privilégio que devemos agarrar — mas um frete que temos de ir alijando. Talvez não seja exactamente isto que lhe passa pela cabeça, mas é decerto isto que lhe passa pela boca. E que o povo ouve, pronto a concordar.

Vem de trás, do debate nos blogues e nos jornais. Um conjunto de dandies conservadores — e provavelmente pouco frequentadores de algo mais do que livros — fez o diagnóstico e formatou o discurso da SEC. Punir a cultura, eis tudo o que havia a fazer. Nenhuma palavra, nenhuma ideia sobre serviço público. Nem que fosse o assumir que nenhum serviço público é necessário. Que o fim do teatro, da dança, da música não é mal nenhum. Este tipo de honestidade.